O que leva uma pessoa ao suicídio?

O que leva uma pessoa ao suicídio?

O que leva uma pessoa ao suicídio? O suicida costuma ameaçar antes de praticar o ato? Deve-se acreditar em uma ameaça de suicídio como um fato ou como chantagem emocional?
Dados epidemiológicos mundiais indicam de forma clara que os comportamentos suicidas constituem um importante problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2020, aproximadamente 1, 53 milhões de pessoas no mundo morrerão por suicídio. Um número 10 a 20 vezes maior de indivíduos tentará o suicídio. Isso representa um caso de morte por suicídio a cada 20 segundos e uma tentativa de suicídio a cada 1 a 2 segundos (Bertolote e Fleishmann, 2002). Tais números indicam que mais pessoas morrem por suicídio do que em todos os conflitos armados e, em muitos países, isso corresponde a um número igual ou maior de mortes em acidentes de trânsito. Assim, a Organização Mundial de Saúde iniciou, em 1999, uma campanha mundial para a sua prevenção, conhecida como SUPRE-MISS (Suicide Prevention Multisite Intervention Study on Suicidal Behaviours ).

A forma mais pragmática é a divisão entre fatores de risco modificáveis e não modificáveis, na qual o impacto de alguns fatores de risco pode ser reduzido, ou não, por meio de intervenções. Os fatores de risco modificáveis são o tratamento adequado e eficaz para o transtorno depressivo e a retirada de arma de fogo no domicílio. Entre os fatores não modificáveis estão as histórias pregressas (passadas) e familiares e os aspectos demográficos, como sexo e idade.

Suicídio é a trágica e intempestiva perda de vida humana. O mais devastador e perplexo de tudo que é representado por um ato da vontade. A palavra suicídio deriva do latim e significa: sui = si mesmo e caedes = ação de matar, isto é, a morte de si mesm o.

Os atos suicidas são definidos como comportamentos potencialmente autolesivos, com evidência de que a pessoa pretendia se matar. O resultado de um ato suicida pode variar, desde a não ocorrência de lesão, até a morte. São subdivididos em tentativas de suicídio e suicídio (completo ou exitoso). As tentativas de suicídio são classificadas como sendo com ou sem lesão.

Tentativas de suicídio deveriam ser encaradas com seriedade, como um sinal de alerta, revelando a atuação de fenômenos psicossociais complexos. As reduções nos índices de suicídio e de tentativas de suicídio são dois dos objetivos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde no documento “Saúde para todos no ano 2000” (WHO, 1992).

O grau de intenção suicida de uma pessoa deve ser considerado como um ponto em um continuum: de um lado, está a certeza absoluta de matar-se e, no outro extremo, está a intenção de seguir vivendo. A condição sine qua non do suicídio é uma morte em que o sujeito é, ao mesmo tempo, o agente passivo e ativo, a vítima (o desejo de morrer e o desejo de ser morto) e o assassino (o desejo de matar).

Na intencionalidade do comportamento suicida deve-se levar em conta:
• A possibilidade ou impossibilidade de reversão do método empregado para morrer;
• As providências que tornam possíveis a ação de terceiros;
• Quando esta intervenção ocorre e pode-se inferir que a intencionalidade seja mínima.

Avaliar o grau de gravidade de uma tentativa de suicídio pode ser uma tarefa bastante difícil, pois são atos intencionais de autoagressão que não resultam em morte, desde atos discretos e velados de ameaça a própria vida, alguns deles talvez com o objetivo de ganhar atenção, até situações graves que necessitam de atendimento médico hospitalar.

A noção de que a ideação suicida varia dentro de um continuum, ocorrendo desde ideias não especificadas, como “a vida não vale a pena” ou “eu queria estar morto”, para ideias específicas, que se acompanham de intenção de morrer e/ou de um plano de suicídio.

A intenção suicida genuína é, frequentemente, ambivalente em relação a morte e a firmeza do propósito pode ser variável. Esses pacientes têm humor disfórico, com sentimento de inutilidade, falta de esperança, perda da autoestima e desejo de morrer.

Há o sentimento dos três “is”:
I ntolerável (não suportar),
I nescapável (sem saída);
I nterminável (sem fim).

Suicidas potenciais podem se arrepender e procurar ajuda após o ato. O alívio, após a tentativa, faz a pessoa refletir sobre seu ato.

IDENTIFICANDO INTENÇÃO SUICIDA

• A comunicação prévia de que iria ou vai se matar;
• Mensagem ou carta de adeus;
• Planejamento detalhado;
• Precauções para que o ato não seja descoberto;
• Ausência de pessoas por perto que possam socorrer;
• A não procura de ajuda, logo após a tentativa de suicídio;
• Método violento ou uso de drogas mais perigosas;
• Crenças de que o ato seja irreversível e letal;
• Providência finais (conta bancária, providenciar a escritura de imóveis, seguro de vida) antes do ato, afirmação clara de que deseja morrer, arrependimento por ter sobrevivido.

Entre os jovens, deve-se estar alerta para o abuso ou dependência de substâncias psicoativas associado a depressão, que incluem: tentativa suicida prévia, ideias suicidas, sentimentos de desesperança e problemas de abuso de substâncias, luto, acesso fácil ao método do suicídio e falta de apoio social. Outras situações estressantes habituais na adolescência são as mudanças físicas e psíquicas, busca da identidade e autonomia, e relacionamentos com grupos que favoreçam comportamentos destrutivos: atividade sexual precoce e sem proteção, porte de armas, delinquências, lutas corporais, tabagismo excessivo e intoxicação por álcool, e pobre gerenciamento da rotina dos filhos por parte dos pais.

INDICATIVOS DE REPETIÇÃO DE TENTATIVA DE SUICÍDIO

• Histórico prévio de hospitalização por autoagressões;
• Tratamento psiquiátrico anterior;
• Internação psiquiátrica prévia;
• Transtorno e personalidade antissocial;
• Alcoolismo e/ou drogadição;
• Não estar vivendo com a família.

FATOR PRECIPITANTE - A intoxicação por álcool é um potente fator no momento da morte. Três características marcam o ato suicida praticado por alcoólatras deprimidos:

• A impulsividade da tentativa;
• Aumento do consumo de álcool na véspera;
• Intoxicação alcoólica precedendo a tentativa;
• A presença de uma arma de fogo em casa é o mais poderoso fator, principalmente em adolescentes.

FATORES DE RISCOS - Conhecer os fatores de risco auxilia a dissipar o mito de que o suicídio seja um ato aleatório, ou que resulte unicamente de sofrimento.

• O risco de suicídio aumenta com a idade e atinge seu maior nível após os 65 anos. É duas a três vezes mais frequente em homens do que em mulheres;
• Os divorciados e viúvos são os mais atingidos (quatro vezes mais que os casados), sendo seguidos pelos solteiros (duas vezes mais). Os casados são os menos afetados. A proteção oferecida pelo casamento é bem mais importante para os homens do que para as mulheres;
• A gravidez e a maternidade são fatores protetores para as mulheres, embora uma gravidez não planejada, sobretudo na adolescência, possa precipitar uma tentativa de suicídio;
• Há uma correlação positiva entre desemprego e suicídio, especialmente entre os homens;
• Estudos de históricos familiares mostram aumento de suicídio em famílias com vítimas de suicídio;
• Níveis cerebrais reduzidos de serotonina ou de seu metabólito, o ácido 5-HIAA, têm sido encontrados em vítimas de suicídio ou de graves tentativas;
• A história prévia de tentativa de suicídio é considerada um forte preditor de suicídio posterior, aumentando em cerca de 40 vezes nestes indivíduos em comparação com a população geral.

ABORDAGEM DAS TENTATIVAS DE SUIC͍DIO

Consiste nos cuidados iniciais a saúde, seja emergência clínica e/ou cirúrgica, assegurar o bem-estar físico, evitando as complicações médicas decorrentes do ato. O médico do pronto-socorro deverá decidir se a vítima deverá ser levada para a unidade de terapia intensiva (UTI), para o centro cirúrgico ou ortopédico, setor de endoscopia ou clínica de queimados, ou as condutas nos casos de envenenamento. Poderá ser encaminhado ao ambulatório de saúde mental ou deve ser transferido para uma unidade psiquiátrica pela presença de risco, ou de transtorno psiquiátrico que necessite de tratamento especializado.

Após o exame clínico usual, devem ser investigados os recursos do paciente: avaliar a capacidade de elaboração, de resolução de problemas, os recursos materiais (moradia e alimentação), o suporte familiar (família próxima ou confiável), social, profissional e de instituições, e os eventos precipitantes: levantar todas as circunstâncias e motivações que deflagraram o ato. É frequente a presença de vários fatores estressantes, ou problemas psicossociais crônicos, problemas policiais ou pendência judicial, perda de ente querido, luto, doença física crônica, desemprego e eventos de vida adversos na presença de depressão. Os conflitos interpessoais, como brigas, desentendimentos e separações podem precipitar 50% das tentativas.

A hospitalização é indicada de acordo com o grau de risco potencial de suicídio, principalmente se o paciente não colabora, apresenta um transtorno mental grave que prejudica a sua crítica frente a situação e não possui uma rede de suporte familiar. Algumas vezes, uma hospitalização precipitada pode ser prejudicial ao paciente, frente a uma avaliação errônea do risco de suicídio. Após a escolha do ambiente terapêutico, pode se optar por tratamento em hospital, ambulatório, ou no domicílio.

A medicação adequada deve ser indicada e manuseada por profissionais habilitados com a dosagem, efeitos colaterais e interações medicamentosas, levando-se em conta as condições físicas do paciente, além da idade e peso. Grande vigilância faz-se necessária no início do tratamento com antidepressivos, pois eles demoram de dias a semanas para alcançarem efeito terapêutico.

O tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser cogitado naqueles casos graves, com forte determinação para o suicídio. Esse tipo de terapêutica não deve ser visto com preconceito, pois é um tratamento eficaz e seguro para diversos quadros psiquiátricos com risco de suicídio. O seu benefício ao paciente está relacionado diretamente a sua indicação oportuna e adequada, como na cardioversão. Em outros mais leves, encaminhamento para psicoterapia. A família e o paciente devem ser exaustivamente orientados e esclarecidos quanto a proposta terapêutica.

Uma internação domiciliar pode ser uma alternativa razoável. Isso é possível quando há baixo risco de suicídio, supervisão disponível e suporte adequado em casa. Os familiares e amigos devem revezar-se na tarefa de vigilância. Sentimentos e comportamentos como choque, confusão, negação, inquietação, regressão, desesperança e estado de alerta são comuns nos familiares.

A vigilância deve ser providenciada com o intuito de garantir a segurança do paciente:
• Retirar da casa medicamentos potencialmente letais, armas brancas e armas de fogo;
• Manter abstinência de álcool e drogas que possuem efeitos desinibitórios;
• Evitar locais elevados e sem proteção, pelo risco de se jogar;
• Evitar que o paciente fique sozinho, ou trancado em um recinto;
• Pode ser realizado um contrato de “não suicídio” (verbal ou escrito), que consiste em o paciente concordar em não realizar ato autoagressão e relatar a um familiar se tiver desejos suicidas.

Prevenção: destinam a melhora da assistência clínica ao indivíduo que já luta contra ideias suicidas, ou ao indivíduo que precise de atendimento médico por tentativa de suicídio. Abordagens que possam também reduzir a probabilidade do suicídio, antes que indivíduos vulneráveis alcancem o ponto de perigo. “Prevenir é melhor do que remediar”.

COMENTÁRIOS FINAIS

Em termos de tratamento e prevenção do suicídio, é provável que a redução considerável de morbidades psiquiátricas (transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, transtorno de dependência a substancias psicoativas, transtorno de personalidade etc.) na população deve também diminuir o risco de suicídio. No entanto, infelizmente, é pequeno o conhecimento sobre o valor preventivo das diversas intervenções existentes e apenas uma pequena parcela de pacientes com risco de suicídio recebem o tratamento adequado.

Os esforços dos dirigentes de saúde pública devem se concentrar em:
• Projetos educativos, com o intuito de aumentar o conhecimento público e profissional dos fatores de risco para o suicídio;
• Melhorar o sistema de saúde para garantir o acesso precoce a avaliações clínicas adequadas, e aumentar a segurança e a efetividade dos tratamentos para os transtornos psiquiátricos com alto risco de suicídio;
• Investigações sobre a prevenção de suicídio, as quais por meio de pesquisas médicas podem esclarecer os benefícios e riscos específicos dos tratamentos médicos e intervenções psicossociais que possam prevenir o suicídio.

O determinismo multifatorial do suicídio impõe-nos, de início, analisar cada fator de risco com prudência. As correlações estatísticas não são as causas; elas nos permitem formular hipóteses de certeza variada. Somente um estudo prospectivo de avaliação de métodos de prevenção que procurem respostas para essas hipóteses pode permitir o engajamento de uma adequada política de profilaxia relacionada ao suicídio. A psicoeducação, ou seja, treinamento do paciente e/ou familiar para reconhecer os sintomas, é de fundamental importância e deve ser feita tanto pelo psiquiatra como por grupos de mútua ajuda www.fenix.org.br .

Conteúdo do capítulo de Psiquiatria do livro Medicina, Mitos e Verdades (Carla Leonel). Dra. Alexandrina Maria Augusto da Silva Meleiro: Doutora em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Psiquiatra PhD. Prof. Dr. Marco Antonio Marcolin